No verão de 2003, a Direcção do FC Barcelona tinha um desafio, contratar um treinador para a equipa principal. No final, sobre a mesa ficaram quatro candidatos: Ronald Koeman, Gus Hiddink, José Mourinho, e Frank Rijkaard. Os quatro possuíam, de formas distintas, os requisitos para serem treinadores do Barcelona. Rijkaard era, dos quatro, o que tinha menos experiência e menos êxitos. Mas a seu favor estava o facto de ser o único disposto a trabalhar com as condições que o clube imponha, e tinha disponibilidade imediata, sem nenhuma condição. Rijkaard era defensor do estilo de jogo que se pretendia para o Barça, e o seu carácter se encaixava plenamente com o que se procurava, capacidade de gestão de pessoas, vontade, compromisso, e grande experiência como jogador de elite.
José Mourinho e Josep Guardiola, ambos tinham grandes virtudes e parecia que se situavam em extremos opostos de uma linha imaginária. Em um extremo, um treinador experiente e com êxito, de carácter forte e fama de polémico. No outro, uma pessoa de grande talento, conhecedora absoluta do clube, mas sem experiência relevante como treinador. De Guardiola, valorizava-se também seu alto valor como activo do clube, e seu possível percurso de liderança. O vice-presidente da área de futebol, Marc Ingla, pegou nas ideias de Bergiristain e de outras pessoas do clube e transformou-as em um documento de nove tópicos, com os critérios que deveriam ajudar a tomar a decisão mais correta, acima da intuição e do consenso que, pouco a pouco, ia se desenhando a favor da opção de Guardiola.
O documento era:
Novo treinador do FC Barcelona.
1º. Respeitar o modelo de gestão desportiva e o papel da Secretaria Técnica.
- Acompanhamento do técnico do time principal durante a temporada;
- Coordenação com o futebol-base local e global;
- Contratações e planeamento.
- Renovações, demissões, etc.
- Processo interativo validado com o treinador e o corpo técnico desde Dezembro-Janeiro de cada temporada;
- O treinador também pode fazer e recusar propostas, mas a Secretaria Técnica tem a última palavra e o poder de decisão final;
- A secretaria Técnica e a Diretoria não actuam como treinador, nem têm influência nas escalas, nem em como se deve enfrentar cada partida;
2º. Estilo de Jogo.
- Equilíbrio contínuo entre o jogo atractivo e a eficiência;
- 4-3-3 como base, mas com as variantes necessárias;
- Controle e gestão das partidas, máxima atenção e concentração;
- Construir herança e conceitos de jogo próprio;
3º. Adicionar a equipa principal.
- Trabalho, trabalho e trabalho;
- Adicionar a equipa principal jogadores juvenis.
- Sinal de identidade do Clube; garantia de padrão e estilo de jogo; factor de coesão no balneário;
- Promover a solidariedade, a combinação, à circulação, a mobilidade, a generosidade...
-... Versus "supervirtuosismo" pela pouca eficiência e o que gera ao redor, os craques e individualidades a serviço da equipe
- Manter a concentração, sempre.
- Distanciar-se do ruído diário e concentrar-se no essencial da competição;
- Detalhes: às vezes o diabo está nos detalhes; é preciso cuidar deles, por exemplo, as permissões.
4º. Treinos e Rendimento: "Deve-se jogar como se treina".
- Dar máxima importância a cada treino;
- O treinador deve gerir de perto todas as actividades que afectam directamente o rendimento dos jogadores e da equipa.
- Trabalho táctico de jogo de campo e estratégia;
- Preparação física colectiva e trabalho físico e de prevenção individualizado;
- Saúde dos jogadores: Influência dos médicos no treino: evitar lesões;
- Alimentação e descanso;
- Mais ênfase no trabalho físico, intensidade nunca é demais.
- Contratar jogadores.
- Futebol cada vez mais competitivo e físico. O FCB é número 1 em encontrar jovens com talento, mas cada vez mais deveremos ter também jogadores com melhores condições físicas;
- Ênfase no trabalho antes e depois de cada jogo.
- Análise prévia do adversário, vídeo, diferentes soluções tácticas, etc;
- O dia seguinte: erros, acertos e aprendizado;
- Convocatórias e minutas - "justiça esportiva";
- Se o trabalho diário é bom em todas as actividades, trabalho táctico, estratégia, preparação física, descanso, etc., deve pesar mais que outros aspectos, status, hierarquias, etc.;
- Outras considerações sobre os treinos;
- Cada vez mais "fechados" - profissionalização contínua;
- Mais treinos no Miniestadi e na Ciutat Esportiva;
- Prolongar as jornadas, mais descanso, mais comidas controladas, etc.;
5º. Gestão de vestiário activa.
- Código Interno - deve-se aplicar com o melhor critério e boa mão, é interno e, portanto, não se pode explicar como se aplica;
- Um regime policial tampouco é o melhor modelo;
- Permissões - Em caso de dúvida, o treinador deve validá-las sempre com a Secretaria Técnica;
- Modelo de capitães:
Modelo meritocrático - promover liderança e influência real sobre o grupo;
- Gestão de craques;
6º. Outras responsabilidades e compromissos com o Clube a serem geridos.
- Meios de comunicação:
- O treinador é uma das imagens permanentes e semanais do Clube;
- É preciso ser prudente, sempre;
- Respeito aos rivais, árbitros e outras instituições em geral - jogo limpo;
- Não superutilizar os meios e criar falsas polêmicas - concentrar-se nos aspectos relevantes do jogo, e do momento do time;
- Jogadores:
Zona Mista - os jogadores devem aparecer depois da partida, nos momentos de máxima audiência;
- As entrevistas colectivas dos jogadores devem ser respeitadas;
- Marketing - compromissos do Clube e individuais; buscar o equilíbrio;
- Área social;
7º. Ter experiência.
- Experiência acumulada em futebol de elite e internacional - como jogador e treinador;
- Qualificações pessoais elevadas em caso de falta de experiência acumulada;
8º. Apoio ao bom governo do Clube.
- Quanto mais informação explícita e formal, melhor;
- Plano semanal de treinos individuais; assistência à Zona Mista; permissões; métricas de estado físico e de saúde dos jogadores; se for necessário, um "livro de cada jogador";
- Reuniões de coordenação interna com cadência regular - fomento do trabalho em equipe e melhoria contínua;
- Do corpo técnico, preparadores físicos e médicos. O primeiro treinador decide a frequência;
- Do vice-presidente esportivo, secretário técnico e primeiro treinador: quinzenal;
- Ter pulso e identificar as necessidades da equipe principal;
- A Directoria não influi nas decisões técnicas, nunca!, exceptuam-se os aspectos de estratégias global do Clube;
9º. Outros aspectos a valorizar no novo treinador.
- Conhecimento da liga espanhola - reduzir a fase de aprendizagem durante o primeiro ano;
- Conhecimento do Clube e seu ambiente - reduzir a fase de aprendizagem do Clube;
- Experiência internacional.
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